sexta-feira, 3 de dezembro de 2010

Fico


No espaço que me cabe, fico inerte, cessando todo o corpo
Num espasmo o corpo bicho se revolta contra a camada frágil e persistente da inexistência
Inorgânico, hermético, insensível, inexplorável
A matéria besta evacuada pela razão por todos orifícios

Constancia sedutora, imaginária... a única súplica
O movimento consiste nas tentativas de expurgar o caos
O movimento incessante e gradativo na tentativa de expurgar
Caos estabelecido e suplicado pelo inconsciente adormecido.

Estruturo-me na incerteza do não saber eterno.
Absorvo dos vazios a música do silencio
Suspensa na esperança dos começos intermináveis
Aquieto e me aflijo no fluxo inerte do pensamento

O corpo todo desprendido da matéria
Desfragmenta-se e busca na imagem as cores esquecidas
Os sentidos inflamados capturam do inacessível o abstrato
Das tentativas, a certeza da busca inerente pelo inconcebível

quarta-feira, 3 de novembro de 2010

De Frida para Diego


Minha noite é como um grande coração batendo. São três e meia da madrugada. Minha noite é sem lua. Minha noite tem olhos grandes que olham fixamente uma luz cinzenta filtrar-se pelas janelas. Minha noite chora e o travesseiro fica úmido e frio. Minha noite é longa, muito longa, e parece estender-se a um fim incerto. Minha noite me precipita na ausência sua. Eu o procuro, procuro seu corpo imenso ao meu lado, sua respiração, seu cheiro. Minha noite me responde: vazio; minha noite me dá frio e solidão. Procuro um ponto de contato: a sua pele. Onde você está? Onde você está? Viro-me para todos os lados, o travesseiro úmido, meu rosto se gruda nele, meus cabelos molhados contra as minhas têmporas. Não é possível que você não esteja aqui. Minha cabeça vaga errante, meus pensamentos vão, vêm e se esfacelam. Meu corpo não pode compreender. Meu corpo quer você. Meu corpo quer esquecer-se por um momento no seu calor, meu corpo pede algumas horas de serenidade. Minha noite é um coração de estopa. Minha noite sabe que eu gostaria de olhar você, acompanhar com as minhas mãos cada curva do seu corpo, reconhecer seu rosto e acariciá-lo. Minha noite me sufoca com a falta de você. Minha noite palpita de amor, amor que eu tento represar mas que palpita na penumbra, em cada fibra minha. Minha noite quer chamar você, mas não tem voz. Mesmo assim quer chamá-lo e encontrá-lo e se aconchegar a você por um momento e esquecer esse tempo que martiriza. Meu corpo não pode compreender. Ele tem tanta necessidade de você quanto eu, talvez ele e eu, afinal formemos um só. Meu corpo tem necessidade de você, muitas vezes você quase me curou. Minha noite se esvazia até não sentir mais a carne, e o sentimento fica mais forte, mais agudo, despido da substância material. Minha noite se incendeia de amor. São quatro e meia da madrugada. Minha noite se esgota. Ela sabe muito bem que você me faz falta e toda a escuridão não basta para esconder essa evidência. Essa evidência brilha como uma lâmina no escuro. Minha noite quer ter asas para voar até onde você está, envolvê-lo no seu sono e trazê-lo até onde estou. Em seu sono você me sentiria perto e seus braços me enlaçariam sem você despertar. Minha noite não traz conselhos. Minha noite pensa em você, sonha acordada. Minha noite se entristece e se desencaminha. Minha noite acentua a minha solidão, todas as minhas solidões. O silêncio ouve apenas minhas vozes interiores. Minha noite é longa, muito longa. Minha noite teme que o dia nunca mais apareça, porém ao mesmo tempo minha noite teme seu aparecimento, porque o dia é um fio artificial em que cada hora conta em dobro e, sem você, já não é vivida de verdade. Minha noite pergunta a si mesma se meu dia não se parece com a minha noite. Isso explicaria à minha noite por que razão eu também tenho medo do dia. Minha noite tem vontade de me vestir e me jogar para fora, para ir procurar o meu homem. Minha noite o espera. Meu corpo o espera. Minha noite quer que você repouse no meu ombro e que eu repouse no seu. Minha noite quer ser voyeur do seu gozo e do meu, ver você e me ver estremecer de prazer. Minha noite quer ver nossos olhares e ter nossos olhares cheios de desejo. Minha noite é longa, muito longa. Perde a cabeça, mas não pode afastar de mim a sua imagem, não pode fazer desaparecer o meu desejo. Ela morre por saber que você não está aqui, e me mata. Minha noite o procura sem cessar. Meu corpo não consegue conceber que algumas ruas ou uma geografia qualquer nos separe. Meu corpo enlouquece de dor por não poder reconhecer no meio da minha noite a sua silhueta ou a sua sombra. Meu corpo gostaria de beijá-lo em seu sono. Meu corpo gostaria em plena noite de dormir e, nessas trevas, ser despertado com os seus beijos. Minha noite não conhece hoje sonho mais belo e mais cruel do que esse. Minha noite grita e rasga os seus véus, minha noite se choca contra o próprio silêncio, mas meu corpo continua impossível de ser encontrado. Você me faz tanta falta, tanta. E suas palavras. E sua cor.

domingo, 31 de outubro de 2010

Eus de Protótipos Crônicos


Ninguém ainda me esclareceu o que está acontecendo. Continuo esperando.
Quando sou eu, parece haver um outro eu que finge ser quem sou. A policia de Dubai informou hoje.
Quando abro os olhos, faço todas as associações. a carga aérea que vinha do Iemen continha um explosivo. É como se fizesse alguma ligação com a verdade que já existia.
Com marcas da rede, em algum canto da minha escuridão. Terrorista Al Qaeda.
Não sei dizer quem sou eu que diz isso agora.
Senti como se fosse real...
O dispositivo estava camuflado em um cartucho de tinta.
Havia um fluido em cada movimento, quando pensava no tempo, dentro da impressora, corrompia-o.
Em todos os olhos. O presidente. A humanidade carrega nos olhos o que mais lhes dá medo. O próprio olhar.
O tempo cria nossos pensamentos, como ainda existo?
Quem realmente existe? Anuncia uma ameaça real. Qual eu vai permanecer quando dissipar o tempo?
Areia eterna tenta mover os passos e todos os caminhos retornam a areia.
Caibo num segundo toda a existência reprimida por séculos, séculos, séculos. Real.
De ataque. Nos símbolos que busco não encontro algum que me esclareça o que está acontecendo agora. Acontecendo agora. Agora. Terrorista.
Os olhos abertos seduzem sua própria composição das imagens, ao país. As imagens seduzem o eu aprisionado naquela escuridão inevitável.
Quem sou eu? Súplica eterna presente em todas as orações. Ao país. Insuportável pergunta que vem gritar pelo espaço feito eco constante, e o que faz é ensurdecer. Resta o silencio repousado sobre a areia. Repousando. Surge do silencio, silêncios repletos do vazio imensurável. Silêncios...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Comida


Estarei faminta por alguns séculos
E quando sentir fome
Iniciarei comer minha alma
Com gosto de excessos
Um bocado adocicada
Saciar-me-ei de abstratos
De sonhos feito sobremesa
Adoçando meus lábios e sentidos
Também o sentido do paladar amargo
Dos rancores mal digeridos
do azedume da falta de fé
E do tempero forte de amores quentes
Hei de evacuar pelos orifícios
Toda matéria sem vida
Estarei nutrida
Saciada da existência comida

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

Corpo Santo


O corpo estava envolto em uma camada espessa de poeira e sangue.
As chagas expostas ardendo e jorrando já sem muita pressa o resto de sangue.
Morte. O sentido da palavra veio sem a geração mental. Sem palavras que definissem, o conceito de morte concebeu-se em um lampejo eterno, não só através da mente, mas percorreu-lhe todo o corpo. Sentiu o cheiro da carne queimada, do sangue batido e o gosto da terra.
Num esforço ainda, carregou para dentro o ar que lhe cortava os pulmões, sentiu o oxigênio formigar-lhe todo o corpo, e esvair-se pelas veias e poros. Soube naquele momento que, equivocadamente e em vão, durante toda vida buscou se encontrar para começar a ser alguém. Alguém ou uma imagem?
Sete chagas perfuradas e corroídas pela ferrugem dos pregos. As chagas já existiam antes mesmo de que existisse nelas. As mazelas todas o esperavam antes mesmo de conceber o sofrimento.
Num suspiro ultimo que lhe arrancou todos os sentidos, expiou por todos os corpos restantes e pelo seu próprio, que num fragmento de eternidade rompeu da Terra a breve sentido da existência.

quinta-feira, 26 de agosto de 2010

Paixão, Sangue e Fogo


Nas camas em que deito seu cheiro vem me lembrar do êxtase infinito que nos era concebido, e tantas outras tentativas permitem-me apenas fragmentos que não saciam. Um cheiro e uma lembrança da boca agressiva e doce que me sugava de dentro toda existência, transportando-nos para aquele infinito imensurável, nosso recanto divino.
Tantas mãos e esse corpo frio, privado de novos prazeres devido uma ausência descabida que deixaste sem culpa, sem nenhuma culpa.
Vivo ainda, pois há esperança insana de alcançar teus braços, sentir cada pêlo do seu sexo perfeito. Deslizar minha língua, olhos e lábios pelo pescoço de seda e pêssego, entrar e ficar nestes olhos que são a própria noite, mergulhados no breu cintilante das galáxias, duas esferas geladas que me ardem e queimam meus órgãos numa chama que não se finda.
Morro na esperança de viver novamente o sentido intenso que é me perder entre os corpos sem saber entre nós quem sou. Dissolver-me no transe, em cada espasmo, diluir nossas percepções, apenas permitir a manifestação de todas as luzes que penetram pelos poros, e todas as cores que explodem diante das pálpebras trêmulas.
Esse teu fogo egoísta, que ao invés de queimar-me até os ossos deixou-me em brasa ascendente que me arde e não me consome, arde mais e mais a cada segundo que não vens. E não vens. Hei de mergulhar em tantas outras camas, em tantos outros corpos e essa brasa me torturando sem cessar...
Hei de buscar a cor dos seus olhos, suas formas perfeitas, o teu gosto em outros corpos, louca, hei de buscar qualquer pedaço que me traga a efêmera ilusão da tua presença. De olhos fechados, vou me enganar até ensandecer...
Entrego-me a esse fogo, inconseqüente, abandono-me e vivo o sofrimento eterno que é tua ausência. E tua lembrança, tua existência e a ilusão absurda que cativo são o que permitem minha sôfrega respiração.

segunda-feira, 19 de julho de 2010

Virando Estrelas


Acordou num sonho eterno, onde a cabeça sempre leve, o corpo voluntário e as mãos, tão delicadas, faziam das ações uma espécie de obra de arte. Foi deslizando pelo sonho que era a vida, quando uma borboleta de gigantescas asas roxa e vermelha pousou sobre seu braço estendido. Sentiu a verdade nas patinhas de uma borboleta gigante. Como se despertasse, fechou os olhos novamente, uma esperança inédita de voltar a dormir, ou acordar, já não sabia mais. Enquanto se esforçava, a borboleta caminhava pelo seu corpo, criando uma cócega gostosa e estranha. Foi quando sentiu as cócegas na barriga, percebeu que estava nua. Que espécie de corpo é esse que não lhe dizia se era quente ou frio do lado de fora? Mas estava toda pra dentro, e era confortável. Começou a escorregar numa areia movediça que surgiu sob seus pés. Não tinha medo. Permitiu. Era agora borboleta, e suas asas negras por dentro desprendiam a essência... uma essência, que não sabia, mas era aquela a essência. Dissolveu-se toda na essência, as asinhas em pó tão fininho e brilhante que lembrava purpurina. E não era purpurina? Agora sabia, purpurina nada mais era que asa de borboleta dissolvida. Por que ninguém lhe explicara antes? Antes... antes, antes... nunca existira o antes. O tempo nunca existira. Concebeu a percepção sem palavras pensadas. Percebeu apenas. E não percebeu que toda sua essência, purpurina asa de borboleta, fora despencada do infinito, vindo atingir um plano de inúmeras dimensões e cores furta-cor, que mais lembrava o céu visto da terra... Mas não tinha mais lembranças, não pode pensar no céu da terra. Como se o céu fosse da terra. E não é que era? Ficou por lá, toda espalhada, em proporções imensuráveis que refletiam as luzes dos astros, que compunham o cenário do infinito manifesto.

domingo, 4 de julho de 2010

Grão de Tempos


Uma eternidade, assim, tão pequeninha, presa na palma da mão. O punho fechado pra que não escorra feito grão de areia. O grão de areia da ampulheta vai escorrendo inerte, inconsciente do tempo que carrega.
O grão de areia só pode ser peculiar, com a diferença minúscula, como ser insignificante?
E no tempo que carrega, todo grão uma jornada infinita. E bastava, pois havia vida. Toda vida e uma espera. Cadê aquele vácuo que define todo o significado? O vácuo é imperceptível. E o significado vai ficando amontoado, camuflado nas banalidades. O significado...

sexta-feira, 18 de junho de 2010

Poesia do Homem que Escrevia


José Saramago


Poema à boca fechada


Não direi:
Que o silêncio me sufoca e amordaça.
Calado estou, calado ficarei,
Pois que a língua que falo é de outra raça.

Palavras consumidas se acumulam,
Se represam, cisterna de águas mortas,
Ácidas mágoas em limos transformadas,
Vaza de fundo em que há raízes tortas.

Não direi:
Que nem sequer o esforço de as dizer merecem,
Palavras que não digam quanto sei
Neste retiro em que me não conhecem.

Nem só lodos se arrastam, nem só lamas,
Nem só animais bóiam, mortos, medos,
Túrgidos frutos em cachos se entrelaçam
No negro poço de onde sobem dedos.

Só direi,
Crispadamente recolhido e mudo,
Que quem se cala quando me calei
Não poderá morrer sem dizer tudo.

terça-feira, 25 de maio de 2010

Último


Enquanto assistiam ao filme, as imagens lhe traziam a sensação do fim, uma nostalgia ainda não sentida. As cores se compunham numa atmosfera romântica e inédita. O chocolate foi ficando amargo no fim, trazendo-lhe um presságio do inverno que se aproximava. Os pés frios, o contato quente excessivamente confortável... Tentou afastar com um suspiro a certeza.
Buscou os olhos dele que não vinham. Mudos, fixados na imagem da TV que evidentemente não lhe dizia coisa alguma.
Mais um suspiro longo que guardava a espera.
Na tela a imagem negra mostrava o primeiro de uma sucessão de fins. Mecanicamente, ele iniciou o ritual dos botões necessários. Ela observava suas mãos que comandavam o fim da luz negra da televisão, o início da música triste e conveniente, a escuridão- uma luz apagada e os botões da sua blusa que iam deslizando sobre as novas garras, eternamente frias.
Permitiu com um novo suspiro se entregar as carícias tão desejadas, saudosa num desespero secreto. O ultimo suspiro interrompeu as ações dele. “Resignação?”, perguntou num sussurro doce que disfarçava a verdade do momento. “Talvez...”. “Nunca aceitaria!” – gritaria se pudesse, mas as palavras foram consumidas pela excitação desesperada. Soube naquele momento, que ele arrancava-lhe os seios, o colo, todo o corpo desperto e ia ingerindo-o languidamente, deixando-lhe apenas os ossos ressecados e inúteis.
Uma gota salgada escorria do rosto contorcido, no gozo a dor de uma lança que lhe cortava as entranhas e estancava o sangramento ao mesmo tempo. Os segundos eternos do pós-coito, o brilho da brasa dos cigarros e um reflexo opaco dos olhos que buscava silenciosamente, não vinham, nunca mais os veria...
As palavras vieram sem vontade, um diálogo curto e banal e quase necessário para preencher aquela ausência que se intensificava e ia engolindo todo o quarto. Um bocejo ruidoso veio finalizar a conversa.
Findou o cigarro deixou-o cair da mão para o cinzeiro. Ainda sentada, vestiu e o abotoou todos botões da blusa quente, vestia-se, apesar de não ter frio. Com os olhos já úmidos, aproximou-se dele e com o indicador, interrompeu-lhe a palavra que surgia. em seguida, substituiu-o pelos lábios já molhados das lágrimas que vinham silenciosas. Um beijo eterno que não quis prolongar, afastou-se quando sentiu a língua macia adentrar sua boca. Acariciou com os dedos seus próprios lábios e se afastou. Sem palavras.
Enquanto ele dormia, instintivamente ela buscava os cheiros quase esquecidos que desprendiam do corpo nu, das narinas e da boca semi-aberta. A fragrância que sentiria diariamente através das lembranças.
Perdeu-se sem querer num sonho estranho, no qual acordava e se distanciava lentamente daquele corpo magnético com passos leves sem hesitar. Tropeçou no gato, que por sua vez miou baixo e com preguiça. Ao abrir a porta, seu corpo derreteu e foi escorrer varanda a fora, atingindo a calçada, o esfalfo e por fim a boca do esgoto, onde foi escoar pesadamente. Completamente dissolvida e misturada a água lamacenta, abriu os olhos e percebera que o sonho era estar desperta. A realidade do esgoto atingiu-lhe de súbito e sentiu que o tempo todo estivera adormecida numa ilusão de verão.

quinta-feira, 6 de maio de 2010


Houve um dia em que as respirações cessaram. Cada ser vivo em sua vida interrompida, deixando a existência que escorria feito o oxigênio esvaído.
O tempo inalterado seguia corroendo as horas, os segundo insensíveis insistiam no seu ritmo perfeito.
Cada sonho estancado. Um pensamento, a palavra, os gritos, o gozo, um espirro, interrompidos no meio do caminho. Suspensas no infinito as emoções que não existiram, dissipavam-se lentamente.
O silencio grande tornou-se o único ruído.
Do nada inconcebível, o caos discretamente surgiu por entre as frestas inconscientes.
Dada a inércia constante da existência, surgia o movimento do interno abstrato.
Cada pedaço imóvel tornou-se o caos infinito de toda matéria possível.
Fragmentados os instantes, perpetuou-se o sentido de não ser.
Todos os conceitos evacuados, livres da obrigação de ser.
Veio como o nada que sempre existiu.
Sem manifestar sua existência.

sexta-feira, 26 de março de 2010

Do Ato

Principiou a escrever com a mão trêmula as palavras que vinham descompostas, talvez desprovidas de razão. Enxergava as palavras nubladas pelas lágrimas que iam borrando a tinta da caneta sobre o papel. Após escrever interruptamente durante um quarto de hora, descansou a mão sobre a boca, cerrando, como se fizesse calar.
Os olhos inchados - a vista ainda turva começou a caminhar sobre as letras que se compunham em palavras, tantas palavras engolidas sem mastigar.
Cada letra soava como um soluço abafado. Enquanto lia, a dor que outrora sentia esvaziava aquele barulho que lhe roubava a nitidez dos pensamentos.
Continuou lendo, esvaziando, esvaziando, até a última frase. Sentiu no oco que se fizera, uma bambeza na cabeça, no coração um vácuo desconhecido.
A vista, agora tonta e cansada, não podia mais ler, rejeitava aquelas palavras explícitas que lhe roubava a ruidosa inflamação de emoções.
Num impulso, fez do papel traiçoeiro um milhão de pedacinhos, as palavras agora, pedaços de letras, restos fragmentados. Na esperança de retornar ao impulso, ingeriu cada pedaço do papel salgado de lágrimas, que desmanchavam muito lentamente na boca, tingindo a língua e os dentes. Devorá-los-ia, até que não restasse um pingo, até que sofresse a overdose verbal.

quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Subterfúgios

Com umas necessidades transgressoras.
Derreter as paredes as gaiola de vidro com o fogo dos olhos.
Rasgar com os dentes e unhas a moral enrugada.
Interromper com o grito estridente os murmúrios lamentos e culpa da consciência.
Necessidade.
De atingir o outro que me habita intruso
E agredir
A carne pobre,
tão fresca e podre.
Findar de uma vez com as estruturas destrutíveis
Com restante, o essencial, reconstruir abstratos da verdade.

quarta-feira, 10 de fevereiro de 2010

Fricção


Fricção

Criando um ruído
De dentes
de ossos
em atrito

Criando barulho
Musica estridente
de corpos vivos
em decomposição

sexta-feira, 29 de janeiro de 2010

Duo

Como um ser duplo
Como ser bilateral
bipolar
bicêntrico
bissexual

Divisão da unidade
Única divisão
Ser ambíguo
é ser imparcial
e ser imparcial
Dois lados
Em cima do muro
De um muro

Uma cabeça para Uma mãe
O corpo resto para Outra.

quarta-feira, 27 de janeiro de 2010

Devolve

Devolva-me
Me devolve,
devolve
Me devolva
Pra mim
Devolva-me
De ti.

domingo, 24 de janeiro de 2010

Nostalgiamarga

Palavras fugitivas em momento de solidão e vácuo abstrato.
Procuro encontrar nestas intermináveis horas um pouco de compreensão no artifício sólido que contêm a minha’lma. Mas não encontro e vejo na angustia dos dias contados numa falha mínima o resto da razão específica... Mantenho como água pura aquele sentimento imaculado, inalterado que espero encontrar nos sentidos vividos ingeridos... Procuro e a procura nunca basta. Nunca encontro. No lugar, um buraco grande e negro onde as idéias se escondem. Habita lá o resto de desespero reprimido que abafa todo resto de sentimento lânguido estrábico.
Paro e concluo. Minhas horas meus dias. A inexistência preferível..
O tudo a mercê de uma era despencada.
E naquele momento, em que um lapso da verdade omite a ilusão e tudo o que faz é tornar cinzento aquele resto de saudade escondida no espasmo do tempo.
Aspiro então.
Como quem não quer, a verdade do ser e não existir. Comprimo e não me componho naquele estado de incoerência explícita em que a alma se choca, busca e não percebe... É só um estado. Nunca constância.
A mutação contínua das coisas e cores abstrai tudo ao redor e deixa apenas uma alternativa impensável, impossível, o fim.
Como se fosse um singelo começo, o fim se manifesta e começa o que seria o seu ciclo perfeito. Sem paradoxos, sem complexos, apenas finda. O sentido das palavras descabidas torna-se falta, não só do que conteria, mas como poderia? Acima de tudo, permanecia. Aguardava o fim que corromperia as boas intenções e nesse espaço, apenas a expectativa. A inutilização de todas as idéias e estruturas. A espera. Há a espera. Como se não houvesse...
E há então naquele pedaço o exílio da imaginação contida reprimida, mas permaneço e concluo na inutilidade da sofridão inoportuna o que ainda restou da esperança voraz...
E aquele momento que parecia eterno era apenas uma ilusão carregada de tudo que não vimos, apenas sentimos...
E quando a garganta hesita no expressar da expressão fragmentada do invisível. A garganta apenas quer dizer, mas hesita uma eternidade de compreensão. Obtenho então, através de goles de nostalgiamarga,a aquele velho cheiro das coisas inabitadas de sentimentos, mas abarrotadas de outras coisas. Apenas coisas, mas é o que são e é impossível se desfazer delas! Mas tento com as migalhas que sobraram, pegar no vácuo dos sentidos inabitados, o resto de luz. Para apagar esse apego descabido.
Apago-me.

segunda-feira, 18 de janeiro de 2010

Desvio

Não sei rimar
Mimar,
Entrar,
Na cabeça as palavras
Estruturadas
Consadas
De tentar

Manter em ordem
o verbo
Abstrato
Saturado
De estar certo
E limitado

Impor
a única forma de fazer sentido
sonoro
imploro
a escolha
nãoengolir comprimido

domingo, 17 de janeiro de 2010

Carnal

Que me devore.
Ai! Que me afundo em ti
E não retorno
Altera-me, tira-me a paz.
- Tira minha paz!
O que faço com essa espera horas?
O que faço com essa vontade do seu?
Suplico, me entrego:
- Vem logo!
Que me perco,
Consumo-te
Acabo-me realizada
Insana, espero
E você engole
Todo o resto de esperança
Sbae o que faz, manipula-me
- Manipula-me!
Quer-me louca
Sem pensar
Não me toca
Tortura-me com esses olhos
Guloso me come
- Me come!
E se vem as mãos
Esqueço-me
É só você
Eu dentro de você
Te como
Te respiro
Perco o sentido
A eternidade do momento
Que não é tempo
Todo resto é tédio
Não posso nem te dizer
Quando estou contigo
Calo.

quinta-feira, 7 de janeiro de 2010

Grito?

Um grito estridente que vem do âmago
Crescente quer romper os tímpanos
Perfurar as gargantas herméticas
Os lábios parados mover
Quer preencher todo espaço escuro
Com sua luz escandalosa
Arregaçar a ferida ainda aberta.
O grito camuflado pelas palavras
Quer dizer o que não se fala.
Com a potencia de um dragão
O grito
Que vai calando antes de...
Derretido pelas lágrimas silenciosas.

domingo, 3 de janeiro de 2010

Ao estranho de nome conhecido.

Tantas mãos e uma falta assim feito buraco fundo que me engole de volta aos olhos verdes cheios de infinito. O suor da pele vem se misturar ao cheiro que ficou na memória tanto suor e o sexo rijo que se confunde com o olhar fixo que diz as palavras esquecidas pela mente interrompidas na garganta.
Um estranho velho conhecido que queria esmagar com caricias a carne lânguida entregue a tantos dedos que queriam e entravam sem pressa sem hesitação nos cantos de prazer eterno e eternizavam não só o prazer, mas as verdades do prazer. E arrasta sem culpa numa ausência de olhos pretos que se confundem aos outros olhos e se cansam de olhar pra dentro e vem buscar cá fora num corpo desprovido de abstrato repleto de vontades de se afundar em tantos olhos que não dizem, não sentem, engolem aos poucos tanta sensação do infinito.
Ao estranho P que não é um nome, não é uma palavra de tão abstrato é um momento que eterniza na memória que sente ausência de tanta presença.

Palavra

Quando a boca treme, os lábios balbuciam a palavra que não vem. Palavra interrompida na mente, não permitida pelo medo da negação interna... Eterna negação.
Auto negligencia.
Como tumor corrosivo, feito ferrugem alaranjada, a palavra cresce, obstrui nobres sentimentos e destrói aos poucos um resto sentido de esperança.
A palavra negra.
Colorida
Transparente, tão nublada.
A palavra rouca que é só um cochicho.
A palavra que não é palavra é um estado sem definição.
Que escapole amor.
Amor que escapole entre tantas palavras que não é amor.
E seria amor? A palavra?