sexta-feira, 25 de março de 2011

Camisola Azul


Cinco dias de espera.
Clarice permanecia sentada no sofá com o telefone na mão, hesitante, aflita. Há cinco dias, digitava aqueles números no telefone, para em seguida, desligar o aparelho. Rodava na cabeça, como num filme, a discussão que tivera com Roberta há uma semana, lembrava-se nitidamente do tom gelado com o qual a outra perguntara:
- Já se decidiu?
Como resposta, deixara um silencio longo que fez com que Roberta acendesse outro cigarro. Na memória, Clarice conseguia ver todos os detalhes daquele dia e a sensação de covardia que se manifestava como gosto de ferrugem na boca.
Tentando voltar para o presente, olhou as horas. Cinco e meia. Dentro de meia hora o marido chegaria do trabalho. Conseguia prever o sorriso que ele traria junto com uma flor ou um bombom pra te alegrar. Esse pensamento fez com que deixasse escapulir um soluço alto acompanhado de um choro convulsivo. Marcio era bom. Um marido que causava inveja nas amigas; amante, companheiro, inteligente, bem sucedido, e tinha uma necessidade constante de ver Clarice bem. Ela o amava, tinha certeza disso. E amava também Roberta. Amava o cheiro e a voz de Roberta, apreciava as conversas que tinham e os quadros que ela pintava, era capaz de ficar horas observando-a pintar, encantava-se com o jeito que ela tinha de apertar os lábios e espremer os olhos quando estava concentrada numa obra.
Esse último pensamento fez com que num ímpeto se levantasse do sofá, rapidamente enxugou o rosto foi para o quarto buscar a mala sobre o guarda-roupa, mala com a qual flertara várias vezes nos últimos cinco dias, como esperando por esse momento. Enquanto separava as roupas, a certeza ia tomando força, conseguiu sorrir, orgulhosa, até perceber que tinha na mão a camisola azul de seda que ganhara de Márcio dois meses antes, no aniversário de três anos de casamento. Junto com o lingerie, uma porção de deliciosas lembranças desse dia. E lembrou-se também de quantas noites delirantes tivera com o marido... Sentou-se na cama, sentindo a certeza esvair pelos seus poros e pelas lágrimas que retornavam agressivas. Com o corpo todo trêmulo, agora muito lentamente, tirava da mala as roupas. Sentia-se fraca, incapaz de se mover, mal escutara o barulho da porta e o marido entrando no quarto, quando deu por si, ele estava em pé diante dela, fitando-a. Não sorria. Com a voz igualmente séria, disse:
- Sua amiga Roberta esteve no meu escritório hoje.
Após um longo silencio, como Clarice permanecia muda, continuou:
- Nos últimos dias, fiquei aflito vendo sua tristeza, não conseguia imaginar o que a perturbava. Jamais imaginaria... Você é capaz de ver como estou me sentindo agora? Estúpido, ridículo... E você... Tão insensível egoísta... Como pôde? – apesar de chorar, Marcio permanecia com a voz serena e decidida, olhando agora para a mala em cima da cama – vejo que já tomou sua decisão.
Clarice permanecia imóvel, aturdida com um milhão de pensamentos confundindo-a, balbuciou algumas palavras desconexas, sem saber ao certo o que dizer, Márcio a interrompeu.
- Termine o que estava fazendo, não se dê ao trabalho...
Caindo de joelhos, Clarice agarrou-se às pernas de Márcio, quase gritava implorando:
- Foi um engano meu bem, está tudo bem agora, por favor, me perdoe, é você que eu amo! Por favor...
Erguendo-a pelos braços, com firmeza, Márcio olhou-a fixamente por cerca de quatro segundos e com precisão, deu-lhe um tapa no rosto, fazendo com que ela caísse na cama em prantos.
- Ande logo com isso! Roberta disse que você tem as chaves- disse Márcio com frieza.
Resignada, Clarice terminou de fazer as malas, estancou o choro e foi retomando a razão aos poucos. Mais tarde, no táxi em direção à casa de Roberta, percebeu que segurava na mão, com força excessiva, a camisola de seda azul.