sexta-feira, 29 de abril de 2011

Noites


Aquela noite...
Houve aquela noite, e havia uma borboleta colorida, tão singela e viva na parede branca. Paramos e ficamos olhando.
Houve o seu silêncio repleto de mistério e verdades inexploráveis.
Copos de vinho se esvaziando, seus olhos me esvaziando, seu hálito próximo aquecendo meus lábios, línguas se buscando, corpos se esvaindo em harmonia.
Houve a mágica rara e um silêncio maior ainda.
Uma esperança vaga de presenciar o efêmero e esquecer o tempo.
Havia lágrima sem culpa, com uma dor suave da certeza de que nunca haveria espaço pra tanta alegria. Logo amanheceria...

terça-feira, 12 de abril de 2011

" O meu Guri"



Acordei as três da manhã com uma barulheira de tiros que pareciam vindos de dentro do barraco. Levantei do colchão, aflita, meu guri ainda não tinha subido o morro, tava na quebradeira da cidade, podia esperar que não chegaria antes das cinco. Agarrei com força o rosarinho que ele me dera, mesmo que faltasse nele duas pedrinhas, apelei a rezar pra Virgem e pro Pai Nosso.
Pedia desesperada, com uma aflição que só fazia crescer, pra Virgem que também era mãe, era pobre e tinha a vida cheia dos perrengues que nem a nossa. Pro pai, pedia que olhasse pro meu guri, que menino bom que nem ele não havia de ter. Que enquanto a mulherada aqui do morro, até pancada dos pequenos sofria, o meu só fazia me agradar, enchendo-me de presentes, tudo coisa fina de madame, tudo usado também que haveria de ser bem mais barato.
E na rua a barulheira de gente que gritava e corria e chorava.
Ô meu pai! – pedia entre soluços, que o Pai não se esquecesse da batalha que era nossa vida, do tanto que o guri se arriscava nesse mundo violento, indo trabalhar toda madrugada, quando não, virava dia e noite pra trazer alimento e dinheiro pras despesas. Ô meu pai! E além de tudo o menino era crente na vossa misericórdia, não se cansava de dizer que nós ainda venceríamos tanta mazela.
Com o terço na mão saí pra rua agora que tava tudo mais calmo. O dia já tava clareando, as pessoas se esquentando pra começar a rotina e o moleque do jornal berrando o preço pra tirar seus trocos. De tão chorona que estava, demorei pra ver que o moleque tinha na mão a foto do meu menino estampando o jornal. O rosto do meu menino estampando o jornal que nem gente famosa. Aquela faixa preta do olho era esquisita, mas nem liguei. Entendi que minhas preces foram atendidas. Meu guri tava bem, tava batalhando na rua e o sucesso já tava batendo atrás. Feito milagre mesmo, quanta alegria meu pai!
Entrei no barraco e quase sorria agradecendo a virgem. Fui rezar outro terço de agradecimento. Agora era só esperar o guri chegar pra contar a novidade. Saiu no jornal da cidade, que orgulho meu pai.



Fragmento da música "o Meu Guri", composta por Chico Buarque

"Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!"

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ao poeta do sonho esquecido


Usava um chapéu pra manter na cabeça as idéias quentes
Sobre a lapela uma rosa vermelha evidenciando sua delicadeza
Olhava para o bicho e para a planta como quem vê o eterno
E para as gentes, olhava com paixão e lágrima transbordada

Escrevia nas paredes, nos braços e nas nuvens
Com o dedo, com a boca e com sangue extraído direto da alma
Escrevia palavras e abraços, escrevia um sorriso banguela
Inspirava-se na carência, no odor da mazela humana

E ainda acreditava na flor do estrume
Acreditava na incerteza, no acaso e na sabedoria do louco
Distribuía seu tesouro gratuitamente, crendo, despretensioso
Na verdade livre de uma emoção desperta

Teo


Adeus
A Deus
Que nunca esteve
Aos teus
Que nunca foram
Ao estranho no deserto
Ao poeta no hospício
À espera de um dia
Viva a utopia
Cessa o anseio
A expectativa
Um suspiro reprimido
Adeus
Ao deus dos descrentes
Tementes ateus