terça-feira, 25 de maio de 2010

Último


Enquanto assistiam ao filme, as imagens lhe traziam a sensação do fim, uma nostalgia ainda não sentida. As cores se compunham numa atmosfera romântica e inédita. O chocolate foi ficando amargo no fim, trazendo-lhe um presságio do inverno que se aproximava. Os pés frios, o contato quente excessivamente confortável... Tentou afastar com um suspiro a certeza.
Buscou os olhos dele que não vinham. Mudos, fixados na imagem da TV que evidentemente não lhe dizia coisa alguma.
Mais um suspiro longo que guardava a espera.
Na tela a imagem negra mostrava o primeiro de uma sucessão de fins. Mecanicamente, ele iniciou o ritual dos botões necessários. Ela observava suas mãos que comandavam o fim da luz negra da televisão, o início da música triste e conveniente, a escuridão- uma luz apagada e os botões da sua blusa que iam deslizando sobre as novas garras, eternamente frias.
Permitiu com um novo suspiro se entregar as carícias tão desejadas, saudosa num desespero secreto. O ultimo suspiro interrompeu as ações dele. “Resignação?”, perguntou num sussurro doce que disfarçava a verdade do momento. “Talvez...”. “Nunca aceitaria!” – gritaria se pudesse, mas as palavras foram consumidas pela excitação desesperada. Soube naquele momento, que ele arrancava-lhe os seios, o colo, todo o corpo desperto e ia ingerindo-o languidamente, deixando-lhe apenas os ossos ressecados e inúteis.
Uma gota salgada escorria do rosto contorcido, no gozo a dor de uma lança que lhe cortava as entranhas e estancava o sangramento ao mesmo tempo. Os segundos eternos do pós-coito, o brilho da brasa dos cigarros e um reflexo opaco dos olhos que buscava silenciosamente, não vinham, nunca mais os veria...
As palavras vieram sem vontade, um diálogo curto e banal e quase necessário para preencher aquela ausência que se intensificava e ia engolindo todo o quarto. Um bocejo ruidoso veio finalizar a conversa.
Findou o cigarro deixou-o cair da mão para o cinzeiro. Ainda sentada, vestiu e o abotoou todos botões da blusa quente, vestia-se, apesar de não ter frio. Com os olhos já úmidos, aproximou-se dele e com o indicador, interrompeu-lhe a palavra que surgia. em seguida, substituiu-o pelos lábios já molhados das lágrimas que vinham silenciosas. Um beijo eterno que não quis prolongar, afastou-se quando sentiu a língua macia adentrar sua boca. Acariciou com os dedos seus próprios lábios e se afastou. Sem palavras.
Enquanto ele dormia, instintivamente ela buscava os cheiros quase esquecidos que desprendiam do corpo nu, das narinas e da boca semi-aberta. A fragrância que sentiria diariamente através das lembranças.
Perdeu-se sem querer num sonho estranho, no qual acordava e se distanciava lentamente daquele corpo magnético com passos leves sem hesitar. Tropeçou no gato, que por sua vez miou baixo e com preguiça. Ao abrir a porta, seu corpo derreteu e foi escorrer varanda a fora, atingindo a calçada, o esfalfo e por fim a boca do esgoto, onde foi escoar pesadamente. Completamente dissolvida e misturada a água lamacenta, abriu os olhos e percebera que o sonho era estar desperta. A realidade do esgoto atingiu-lhe de súbito e sentiu que o tempo todo estivera adormecida numa ilusão de verão.

quinta-feira, 6 de maio de 2010


Houve um dia em que as respirações cessaram. Cada ser vivo em sua vida interrompida, deixando a existência que escorria feito o oxigênio esvaído.
O tempo inalterado seguia corroendo as horas, os segundo insensíveis insistiam no seu ritmo perfeito.
Cada sonho estancado. Um pensamento, a palavra, os gritos, o gozo, um espirro, interrompidos no meio do caminho. Suspensas no infinito as emoções que não existiram, dissipavam-se lentamente.
O silencio grande tornou-se o único ruído.
Do nada inconcebível, o caos discretamente surgiu por entre as frestas inconscientes.
Dada a inércia constante da existência, surgia o movimento do interno abstrato.
Cada pedaço imóvel tornou-se o caos infinito de toda matéria possível.
Fragmentados os instantes, perpetuou-se o sentido de não ser.
Todos os conceitos evacuados, livres da obrigação de ser.
Veio como o nada que sempre existiu.
Sem manifestar sua existência.