quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

Ninfa

Ela vem brincar na lua
A carne solta e nua
Vem dançar sem medo
Vem lembrar-se do segredo
Da velha ciranda da infância
Como é bom correr sem rumo
nas estrelas criar seu mundo
desembraçar com os dedos o vento
os cabelos soltos pelo firmamento
vem bagunçar os astros
espalhar todos os brinquedos
brincando melodias e cores
no jardim das eternas flores.

sábado, 26 de novembro de 2011

Espasmo Hermético I


Entidade lunar vagueia no céu, no coração, na palma da mão está o seu sentido tão esquecido que não acompanha a espera e todas as vidas que não se completam na mancha escura da rua deserta.
Caminha sozinha silencio enobrece o outro ouvido, tão quieto e surda não vê o pensamento desconexo. Cai na tentativa de não ver e cospe todo o resto na tentativa de não ser. Caindo, anulando, esperando mais um dia tão comprido que não finda com as horas mais um espasmo.

quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Destino



Era uma sexta-feira e a lua estava cheia. Ventava e ela tinha aquela sensação rara de prenúncio como se o coração estivesse exposto para fora do peito e o vento arrepiava-lhe as frágeis veias.
O dia a acordara com um sonho sem imagens, restando, insistentemente, uma sensação de mística que a perseguia até então.
Mais uma sexta feira em que saía para beber e dançar, tentando dessa forma resgatar através do samba e do álcool a quentura no corpo que lhe lembrava o quão viva estava.
Deparou-se logo no começo da noite com um par de olhos azuis acinzentados compostos de uma cabeleira loura e o nome que ele lhe disse, nome de santo, pensou, e em seguida esqueceu-se que nome era.
Enquanto ele falava, suas palavras eram confundidas com o som da sua própria memória, que regressava aos nove anos de idade, num momento nítido e estranhamente semelhante a um sonho, onde seu futuro fora confabulado por uma amiga da família através de suas mãos. A amiga, mulher morena e misteriosa, grande, com trejeitos masculinos, lia a mão da mãe e das outras amigas, pensou que talvez a mulher fosse uma bruxa, e perdeu naquele instante o medo das mesmas, pedindo que ela visse o seu futuro também. A mulher bruxa decretou que seu futuro amoroso seria composto de um gentil cavalheiro loiro de olhos claros.
Depois da adolescência, dos livros, da desilusão e da filosofia, as palavras; romance, príncipe encantado e destino perderam totalmente o valor da infância, no lugar o desprezo e o escárnio.
As palavras e a música desintegraram-se no beijo repentino, e o coração, que ainda exposto e sensível, encontrava-se agora espremido entre os dois corpos, pulsando quente e vivo, trazendo-lhe mais fortemente a certeza de estar viva. Sentiu um breve medo que o coração estourasse ali de tão comprimido, e apartou com as mãos os lábios e os corpos. A voz saiu rouca e mole quando disse:
- Veja a lua!
Os corpos imantados atraíam-se incontrolavelmente, e os olhos azuis perfuravam seus próprios, corrompendo a razão. Em menos de um segundo os corpos se colavam novamente e já não se lembrava que o coração sofria um grave risco.
Entregou-lhe sem hesitar o coração, como se ofertasse à bruxa que acertara seu destino, como forma de agradecimento.
Os corpos encontravam-se intensamente magnetizados, já incapazes de se repelirem, exceto através de uma grande explosão
Ela apreciava o que via, enquanto ele, lascivamente , devorava o seu coração, lambuzando e benzendo com o sangue os sexos entregues à lua, ao destino e à bruxa

sexta-feira, 30 de setembro de 2011

.


Não ha maior ego do que o daquele que se julga acima dos outros por ter domado o ego. Ao dominar o ego, ao buscar a trascendência e negar o mundo, ele comete o maior EGO de todos: Achar que não tem ego, e que está além do mundo em que vive
(Osho)

domingo, 21 de agosto de 2011

Se me permite a tristeza...


Se me permite um breve momento em que possa chorar sem culpa pelas mazelas mal resolvidas.
Quando todos os sorrisos parecem ferir, qualquer pedaço de alegria parece não ter o menor sentido, a respiração é um sôfrego suspiro que tenta suspender eternamente a respiração.
Se é que posso desejar não ser por um instante apenas... Que esse instante parece infinito e obscurece a menor e frágil centelha de luz.
Quando eu puder mergulhar sem reprimendas nessa angustia intensa que me expõe todos os demônios até então acomodados no submundo da alma. Vejo-os olho no olho e permito que me encham de medo e suguem toda esperança.
Quando eu finalmente puder chegar no limite do sofrimento, encontrar-me suspensa por um fio capaz de acabar com essa única dor... Quando finalmente estiver livre da necessidade absurda de ser feliz e puder me encontrar no mais puro estado de humanidade, hei de... Hei de esvaziar-me para que novamente me complete nas esperanças e alegrias transbordantes, que em questão de segundos, tornam-se estopim para o início de toda dor, e novamente a tristeza e o limite, e novamente, a deliciosa angústia de Ser...

segunda-feira, 15 de agosto de 2011

Primavera!


O que houve com o seu sorriso?
Veja menina, é época de flores.
Ainda há pouco te alegrava com folhas secas.
Não pare de dançar ao som do vento
Não carregue os dias perdidos.
Lembre-se do baile colorido
Das canções que te falam ao coração
Escute, ainda há tempo!
Será que não percebe?
Que te cabe uma vida inteira...

sexta-feira, 5 de agosto de 2011

Não há remédio contra o Coração!


Hipócritas e queridos poetas, na sua eterna apologia à esse suposto órgão que nada tem a ver com a carne humana!
intitulam coração um pedaço vermelho sangue que pulsa e aflige em nosso peito dores inexistentes de amor.
Culpamos esse inocente órgão angústias que somente a mente humana é capaz de produzir. Somente o desespero latente, a carência, a mais obscura mazela humana é capaz de fazer brotar arte na humanidade.
E ao meu próprio coração, tento dizer-lhe, tento apascentá-lo, acalma-te! É tudo mentira dessa minha cabeça louca, não há nada que sofrer... Desobediente, ele cria bocas e braços, pulsos fortes, muitas amarras, uma voz insuportável que parece vir da mais distante galáxia e vem romper meus tímpanos, e vem possuir meu corpo, cegando meus olhos, ferindo meus instintos, teimando... Sou eu quem mando!
Totalmente fraca e quase sem vida, entrego os pontos e lhe cedo o resto da minha respiração.
Se tu me queres coração, torna-me poeta, entrego-te toda minha dor, da minha réles existência faz-me teu instrumento: martelo, espada, espinho, uma flor, tão frágil flor...
E vou ainda chorar às canções piegas, brigar nas esquinas pelo teu nome, cair em desespero à tua renuncia, ao nome Paixão, repudiarei e me agarrei como o próprio Cristo e tua Cruz.
No final das contas, coração, só te peço, não dê ouvidos à essa cabeça louca...

terça-feira, 26 de julho de 2011

Decote em V- Uma xícara de chá


Quando dei por mim, já estava com um cigarro aceso, algumas palavras nas mãos e um sorriso resignado a me escapolir.
Era aquilo, todo aquele momento, todos os sentidos, abafando a angústia descabida que até então insistira em habitar. Não era bom, por não precisar ser.
Ele saiu pela porta deixando-me um beijo na testa sem dizer adeus. Nunca dizia, estava implícito, sem formalidades. A porta aberta. Seu cheiro impregnado no travesseiro fez com que me lembrasse; éramos gente. Como ele sempre dizia, com a voz embargada, gente de pele sangue ossos...
Permiti que meu corpo se levantasse, ainda com a sensação letárgica do pós coito. Os meus pés pisando nos restos de retalhos espalhados, um inteiriço de seda branca, alfinetes, a calda do vestido branco escorregando pela cadeira. O casamento no próximo dia... Três horas sobre a máquina não me trouxeram cansaço, botões perolados, fios de prata, tão delicados...
Nua ainda, recebi minha primeira cliente, a noiva da véspera. Não havia culpados pelo constrangimento, a porta estava aberta. Sorria radiante para o seu reflexo no espelho, como só as noivas da véspera eram capazes... Invejá-la ia se fosse inclinada às promessas de eternidade, suspirei, o sorriso dela aumentava na mesma proporção que lágrima lhe escorria.
Quando finalmente, a porta fechada, nua ainda, senti nas mãos a sensação quase aflita de perda, lavei-as com sabão, deixando escorrer também as palavras confusas...
O desjejum, uma laranja doce, espremida num copo. O último gole. Tive certeza, era o fim, a laranja me disse. Tanta alegria era o fim. Gargalhei e engasguei com o suco. Nem ao menos se despediu... Nunca precisamos dessas formalidades.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vou dizer baixinho, para que ninguém ouça o meu grito...


Posso sussurrar em seu ouvido e você pedirá que eu repita, perderia assim toda delicadeza, não sei improvisar. Talvez deva escrever. Minha vontade mesmo era de gritar... Acordaria toda a rua, e não restaria dúvida, estou enlouquecendo. O mais prudente seria que você me olhasse diretamente nos olhos, mas aí, aí toda minha coragem ia se desbotar, como prova meu rosto rubro e voz trêmula gaguejaria – não, não há nada a dizer... - o que corrói é a certeza de não saber o depois. Depois de me dar por entregue à essa sensação persistente, certamente terei a solidão como eterna companheira. Escolho então essa aflição latejante? Posso sentir cada batida do coração como um grão de areia escorrendo pela ampulheta, antes que seja tarde, antes que... Poderia ser só ilusão! Possivelmente, como tantas outras vezes, a carência me empurrando novamente pressa samsara sedutora. Assim, nada terei a perder... Se já sei que nada ganho, nada perco, é só um acúmulo de poeira e rugas, mais uma camada morta na pele calejada. Omito-me... Nego minha covardia, covarde seria se admitisse, se fizesse disso um drama piegas. Mas ainda posso tentar me entregar ao momento e ficar aqui te observando respirar enquanto dorme, deixar que você determine nosso destino, submeto-me então aos seus desejos e caprichos, satisfaço-me com seu gozo e suspiro...

Ele se virou na cama, seu braço pousando na cintura dela.

Só não me diga que não é real! Que não sente sua pele toda capaz de desprender do corpo quando nos tocamos? Você também sente, não? Posso sentir na forma que me toca, quando me diz lindas poesias num simples bom dia!

Sem perceber, ela apertava-lhe o braço, que se desvencilhou bruscamente da sua cintura.

Não posso mais sofrer, por favor, diga que é especial, prometo não falar de planos nem de futuro, diga apenas uma vez que me am...

Ele acordou, sorriu-lhe, com as pontas dos dedos, acariciou-lhe o rosto, com o polegar apertou-lhe suavemente os lábios.

Diga, por favor diga...

- Te vejo amanhã? Deve ser tarde, ainda preciso trabalhar.

Amanhã, te vejo amanhã e todos os dias de nossas vidas! Preferiria que não fosse...

- Ok... Deixe a porta encostada, por favor.

Ele se levantou e se vestiu rapidamente, antes de deixar o quarto, fez menção de voltar... Mas ela já havia se virado, de costas pra ele. Esqueceu-se de encostar a porta... Também se esqueceria de voltar no dia seguinte.

sábado, 9 de julho de 2011

Dentro



Hipnose sob a contemplação da única imagem
O excesso de cores que se mesclam e se confundem
Com a cor branca dos olhos e a esfera preta vislumbra
Vermelhos são os olhos na imagem invertida tão séria e reta
Um reflexo irreconhecível sob a superfície gelada
Do outro lado do espelho a chama não queima
Seduz e engana através do vidro delator
Tão frágil quanto as formas sem tempo
Inexiste sob o efêmero presente
Consente à dinâmica dos traços
Irresistível pseudo liberdade

domingo, 3 de julho de 2011

Monólogo


Você tá vendo? – ela segurava os seios e os apontava em direção a ele. Um par de seios pequenos, duros de bicos vermelhos, com o aspecto mais vivo que os trinta anos correspondentes.
- Você tá vendo? Já apontam pro chão, logo despencarão, murchos e velhos... – virou-se para o espelho, soltou os seios – tudo bem, não precisa dizer, não vou ficar triste por isso.
Ele na cama, imóvel, seguia silenciosamente seus movimentos com os olhos.
Diante do espelho, enquanto ela tirava a calcinha, lentamente, cantava baixnho pra si: Tum, Tum, Tum, que bate aí? Tum, Tum Tum, quem bate aí? Sou eu minha senho...
- Ainda me acha atraente? – virou-se bruscamente para ele, o tom da voz desesperado, quase gritava.
-Tudo bem, desculpa, eu só tava pensando que, depois de tanto tempo... – pegou uma escova na penteadeira e agora falava olhando para o objeto, sua voz era suave novamente – depois de tanto tempo, parece que as coisas mudam de cor, já reparou? As vezes sou criança de novo e vejo minhas bonecas dançando sozinhas sobre a cama, exatamente aí, onde você está... Você lembra onde mamãe guardou as bonecas? Ela sempre diz pra brincar com as mais velhas, mas tem aquela de louça de vestido... qual era a cor do vestido? Não importa, nunca brinquei com ela.
- Mamãe, onde está a boneca que a tia Lucia deu? Deixa eu brincar com ela, só uma vezinha! – gritou em direção a porta, esperou uns segundos, e voltou-se para ele.
- É mesmo, quase me esqueci, mamãe foi velada com o vestido da boneca, lembra? Você não estava lá! Eu não te via ainda naquela época, onde você estava? - ela se aproximou da cama, ajoelhou-se e se arrastou até ele.- Promete nunca me deixar? – acariciava sua barriga – você tem o hábito de fugir às vezes, eu o perdôo, sempre, sempre você sabe! Mas volte, nunca deixe de voltar... – ele agora olhava pra janela aberta.
- Sabe, um dia, vamos morar naquele chalé lá no alto da cidade, só nos dois... ou podemos ficar e esperar os sonhos nos levarem pra qualquer paraíso que... – começou a rir – você sonha alto! – agora gargalhava. Ele se sentou na cama.
- Não, por favor não vá ainda!
Antes de pular da cama pra janela, ele se aproximou dela, ronronou trançando em seu tronco nu e lambeu a patinhas.
- Vá ingrato! Nunca estou sozinha... – voltou-se para o espelho e iniciou a escovar os cabelos, cantava baixinho – Non, jê ne regrette rien...

Você


O vento, o silêncio, a saudade...
A certeza da espera, um suspiro.
Você.
Olhos fechados, uma imagem:
Você.
Nos sonhos cores, um espasmo
Aqui, o frio desperto
O desespero manso
Uma palavra, um sussurro
Grito
Você?
Desaparece quando os olhos se abrem
Quando esfria, o corpo surge,
Você não...
Eu vejo você
vê?

quinta-feira, 9 de junho de 2011

Cinza em Brasa


Estava chovendo, somente por isso aceitara a carona. Ele foi tão gentil ao oferecer, parecia inofensivo, mas ambos sabiam o motivo daquela oferta. Ela tinha o passado pulsando em seu sexo, tentava desvencilhar-se das lembranças, mas havia o cheiro dele, a voz, e depois de tanto tempo, era a mesma sensação. Fechou os olhos por um segundo.
- Vamos? – ele abriu a porta do carro ao mesmo tempo em que olhava em seus olhos, como costumava fazer, ela despertou da breve vertigem, sorriu e entrou no carro.
Permaneceram em silêncio por alguns segundos, ela confusa, sentindo uma excitação mesclada entre medo e desejo, a certeza da entrega, a felicidade, quanta felicidade! Soube naquele momento que por mais que mentisse pra si mesma, nunca o esqueceria. Soube também que ele sabia disso, ele tinha certeza disso.
- Como estão as coisas? Soube que se formou, que está de casamento marcado? – conseguiu quebrar o gelo, porem sua voz saiu trêmula e quase gaguejava.
- Sim... Caso-me esse mês. Ela não pode vir, tinha que corrigir umas provas... Não imaginava que te encontraria aqui. Surpresa agradável!
Cafajeste! Pensou tão alto que tapou a boca supondo que ele tivesse ouvido. Cafajeste, sacana!
- Disse alguma coisa? – ele conseguia sorrir e manter a voz uniforme e sedutora.
- Pensei alto. Sabe, estive pensando, pensei outro dia mesmo... Tudo que a gente viveu, parece que ficou muita coisa sem conversar e não tivemos tempo... – antes que ela terminasse a frase, sentiu a mão dele pousando na sua coxa e deslizando suavemente para sexo. Calou-se. Suspirou resignada. Ele riu sem tirar os olhos da direção. Ela o fitava, dos seus olhos saia uma chama quente de ódio e desejo.
- Por que você faz iss...- novamente, antes que concluísse a frase, sentiu a mão dele ainda mais quente por baixo da saia atingindo o sexo. Percebeu suas pernas se abrindo, percebeu o sexo molhado e os dedos que deslizavam facilmente para dentro.
- Você mora no mesmo lugar?
- Sim.
- Está sozinha? Podemos ir lá?
- Sim.
Delicadamente ele tirou a mão do seu colo, trocou a marcha para aumentar a velocidade e dirigiu calado e sério até a casa dela.
No trajeto, enquanto se recompunha da excitação, vislumbrou um breve filme do passado, de tanto tempo em que o esteve esperando, das noites em claro e posteriormente, das noites em que teve que se drogar para dormir. Mas lembrou-se também das noites em que passaram nos lugares mais inusitados fazendo amor. Lembrou-se que não havia flores na historia, nem jantares, nem cinema...
Fechou os olhos com força e permitiu que uma lágrima escapulisse, um soluço abafado, e novamente a porta do carro se abria, ele sorria.
- Vamos? – ele estendia a mão, e quando ela se levantou, sentiu-se forte novamente, a vontade a dor latejando em suas entranhas, em seus lábios. Sabia que não tinha escapatória. Tornara-se presa da sua própria lascívia.
Entraram na casa rapidamente, com destreza ela ligou o som, preparou a cama e, antes de iniciarem o sexo, ela o olhou por alguns segundos, com ternura, e pela primeira vez, percebeu que ele também hesitava.
- O que você está fazendo? – ela falava tão baixo e suavemente que sentiu o corpo dele esfriando.
- Você sabe... Você também está fazendo.
Ele se aproximou, beijou-lhe o rosto, ela oferece-lhe a boca, que ficaram coladas ainda um tempo até se transformar no beijo que ela tanto esperara. Ele também esperara. Queria acreditar, precisava acreditar, ele também a queria!
Esteve novamente mergulhada naquele corpo, novamente entregue aqueles carícias insubstituíveis, que durante tanto tempo procurou em outros homens. Gozou entre lágrimas, nostálgica, um gozo triste, quase desesperado...
Acordou sem se lembrar que havia dormido. Olhou a cama vazia. Não se lembrava se fora apenas um sonho. Mas sentiu o cheiro e seu corpo ainda estava quente. Já era dia. Ele já havia partido.

sábado, 28 de maio de 2011

Necessidade (?)



Preciso queimar todos os meus filmes
Preciso beber até a última gota
Preciso do blues de Mississipi rasgando minha garganta
Preciso não mais precisar
Talvez precise da ausência, do silencio, do não ser
Pode ser que eu não precise mais ser
Preciso...
Preciso de um segundo apenas
Em que eu possa captar todas as emoções
E transformá-las em mais
Mais um segundo de vida,
Vida colorida, vida abstrata, pura vida de ser...
Talvez eu precise
Do último cigarro.

quinta-feira, 12 de maio de 2011

Tanta palavra...


O paradoxo do busca...
O excesso em busca do nada,
o verbo manifestanto o desejo pelo silêncio.
O único desejo, deixar de desejar...

"Eu conheço o som da flauta extática,
mas não sei de quem a flauta é.
Uma lamparina está acesa, mas não tem nem mecha nem óleo.
Uma planta aquática floresce e não está presa ao fundo.
Quando uma flor se abre, em geral dúzias se abrem.
A cabeça do pássaro-lua está cheia com nada
exceto pensamentos da Lua,
e quando a próxima chuva virá
é tudo que o pássaro-chuva pensa.
Com quem é que gastamos nossa vida inteira amando?
Chegou o momento de fazer um balanço do amor!
Reúna o corpo e depois reúna a mente de forma que eles balancem
entre os braços do Ser Secreto que você ama.
Traga a água que cai das nuvens a seus olhos.
E cubra-se completamente com a sombra da noite.
Exponha sua face perto do ouvido dele,
e então só fale sobre o que você quer profundamente que aconteça.
Kabir diz: "Meu irmão, escute-me, traga a face, a forma,
e o perfume do Santo dentro de você".

Kabir

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Noites


Aquela noite...
Houve aquela noite, e havia uma borboleta colorida, tão singela e viva na parede branca. Paramos e ficamos olhando.
Houve o seu silêncio repleto de mistério e verdades inexploráveis.
Copos de vinho se esvaziando, seus olhos me esvaziando, seu hálito próximo aquecendo meus lábios, línguas se buscando, corpos se esvaindo em harmonia.
Houve a mágica rara e um silêncio maior ainda.
Uma esperança vaga de presenciar o efêmero e esquecer o tempo.
Havia lágrima sem culpa, com uma dor suave da certeza de que nunca haveria espaço pra tanta alegria. Logo amanheceria...

terça-feira, 12 de abril de 2011

" O meu Guri"



Acordei as três da manhã com uma barulheira de tiros que pareciam vindos de dentro do barraco. Levantei do colchão, aflita, meu guri ainda não tinha subido o morro, tava na quebradeira da cidade, podia esperar que não chegaria antes das cinco. Agarrei com força o rosarinho que ele me dera, mesmo que faltasse nele duas pedrinhas, apelei a rezar pra Virgem e pro Pai Nosso.
Pedia desesperada, com uma aflição que só fazia crescer, pra Virgem que também era mãe, era pobre e tinha a vida cheia dos perrengues que nem a nossa. Pro pai, pedia que olhasse pro meu guri, que menino bom que nem ele não havia de ter. Que enquanto a mulherada aqui do morro, até pancada dos pequenos sofria, o meu só fazia me agradar, enchendo-me de presentes, tudo coisa fina de madame, tudo usado também que haveria de ser bem mais barato.
E na rua a barulheira de gente que gritava e corria e chorava.
Ô meu pai! – pedia entre soluços, que o Pai não se esquecesse da batalha que era nossa vida, do tanto que o guri se arriscava nesse mundo violento, indo trabalhar toda madrugada, quando não, virava dia e noite pra trazer alimento e dinheiro pras despesas. Ô meu pai! E além de tudo o menino era crente na vossa misericórdia, não se cansava de dizer que nós ainda venceríamos tanta mazela.
Com o terço na mão saí pra rua agora que tava tudo mais calmo. O dia já tava clareando, as pessoas se esquentando pra começar a rotina e o moleque do jornal berrando o preço pra tirar seus trocos. De tão chorona que estava, demorei pra ver que o moleque tinha na mão a foto do meu menino estampando o jornal. O rosto do meu menino estampando o jornal que nem gente famosa. Aquela faixa preta do olho era esquisita, mas nem liguei. Entendi que minhas preces foram atendidas. Meu guri tava bem, tava batalhando na rua e o sucesso já tava batendo atrás. Feito milagre mesmo, quanta alegria meu pai!
Entrei no barraco e quase sorria agradecendo a virgem. Fui rezar outro terço de agradecimento. Agora era só esperar o guri chegar pra contar a novidade. Saiu no jornal da cidade, que orgulho meu pai.



Fragmento da música "o Meu Guri", composta por Chico Buarque

"Quando, seu moço
Nasceu meu rebento
Não era o momento
Dele rebentar
Já foi nascendo
Com cara de fome
E eu não tinha nem nome
Prá lhe dar
Como fui levando
Não sei lhe explicar
Fui assim levando
Ele a me levar
E na sua meninice
Ele um dia me disse
Que chegava lá
Olha aí! Olha aí!"

sexta-feira, 1 de abril de 2011

Ao poeta do sonho esquecido


Usava um chapéu pra manter na cabeça as idéias quentes
Sobre a lapela uma rosa vermelha evidenciando sua delicadeza
Olhava para o bicho e para a planta como quem vê o eterno
E para as gentes, olhava com paixão e lágrima transbordada

Escrevia nas paredes, nos braços e nas nuvens
Com o dedo, com a boca e com sangue extraído direto da alma
Escrevia palavras e abraços, escrevia um sorriso banguela
Inspirava-se na carência, no odor da mazela humana

E ainda acreditava na flor do estrume
Acreditava na incerteza, no acaso e na sabedoria do louco
Distribuía seu tesouro gratuitamente, crendo, despretensioso
Na verdade livre de uma emoção desperta

Teo


Adeus
A Deus
Que nunca esteve
Aos teus
Que nunca foram
Ao estranho no deserto
Ao poeta no hospício
À espera de um dia
Viva a utopia
Cessa o anseio
A expectativa
Um suspiro reprimido
Adeus
Ao deus dos descrentes
Tementes ateus

sexta-feira, 25 de março de 2011

Camisola Azul


Cinco dias de espera.
Clarice permanecia sentada no sofá com o telefone na mão, hesitante, aflita. Há cinco dias, digitava aqueles números no telefone, para em seguida, desligar o aparelho. Rodava na cabeça, como num filme, a discussão que tivera com Roberta há uma semana, lembrava-se nitidamente do tom gelado com o qual a outra perguntara:
- Já se decidiu?
Como resposta, deixara um silencio longo que fez com que Roberta acendesse outro cigarro. Na memória, Clarice conseguia ver todos os detalhes daquele dia e a sensação de covardia que se manifestava como gosto de ferrugem na boca.
Tentando voltar para o presente, olhou as horas. Cinco e meia. Dentro de meia hora o marido chegaria do trabalho. Conseguia prever o sorriso que ele traria junto com uma flor ou um bombom pra te alegrar. Esse pensamento fez com que deixasse escapulir um soluço alto acompanhado de um choro convulsivo. Marcio era bom. Um marido que causava inveja nas amigas; amante, companheiro, inteligente, bem sucedido, e tinha uma necessidade constante de ver Clarice bem. Ela o amava, tinha certeza disso. E amava também Roberta. Amava o cheiro e a voz de Roberta, apreciava as conversas que tinham e os quadros que ela pintava, era capaz de ficar horas observando-a pintar, encantava-se com o jeito que ela tinha de apertar os lábios e espremer os olhos quando estava concentrada numa obra.
Esse último pensamento fez com que num ímpeto se levantasse do sofá, rapidamente enxugou o rosto foi para o quarto buscar a mala sobre o guarda-roupa, mala com a qual flertara várias vezes nos últimos cinco dias, como esperando por esse momento. Enquanto separava as roupas, a certeza ia tomando força, conseguiu sorrir, orgulhosa, até perceber que tinha na mão a camisola azul de seda que ganhara de Márcio dois meses antes, no aniversário de três anos de casamento. Junto com o lingerie, uma porção de deliciosas lembranças desse dia. E lembrou-se também de quantas noites delirantes tivera com o marido... Sentou-se na cama, sentindo a certeza esvair pelos seus poros e pelas lágrimas que retornavam agressivas. Com o corpo todo trêmulo, agora muito lentamente, tirava da mala as roupas. Sentia-se fraca, incapaz de se mover, mal escutara o barulho da porta e o marido entrando no quarto, quando deu por si, ele estava em pé diante dela, fitando-a. Não sorria. Com a voz igualmente séria, disse:
- Sua amiga Roberta esteve no meu escritório hoje.
Após um longo silencio, como Clarice permanecia muda, continuou:
- Nos últimos dias, fiquei aflito vendo sua tristeza, não conseguia imaginar o que a perturbava. Jamais imaginaria... Você é capaz de ver como estou me sentindo agora? Estúpido, ridículo... E você... Tão insensível egoísta... Como pôde? – apesar de chorar, Marcio permanecia com a voz serena e decidida, olhando agora para a mala em cima da cama – vejo que já tomou sua decisão.
Clarice permanecia imóvel, aturdida com um milhão de pensamentos confundindo-a, balbuciou algumas palavras desconexas, sem saber ao certo o que dizer, Márcio a interrompeu.
- Termine o que estava fazendo, não se dê ao trabalho...
Caindo de joelhos, Clarice agarrou-se às pernas de Márcio, quase gritava implorando:
- Foi um engano meu bem, está tudo bem agora, por favor, me perdoe, é você que eu amo! Por favor...
Erguendo-a pelos braços, com firmeza, Márcio olhou-a fixamente por cerca de quatro segundos e com precisão, deu-lhe um tapa no rosto, fazendo com que ela caísse na cama em prantos.
- Ande logo com isso! Roberta disse que você tem as chaves- disse Márcio com frieza.
Resignada, Clarice terminou de fazer as malas, estancou o choro e foi retomando a razão aos poucos. Mais tarde, no táxi em direção à casa de Roberta, percebeu que segurava na mão, com força excessiva, a camisola de seda azul.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

Ontem


A música repetia involuntariamente na sua cabeça na forma de pensamento, quando percebera que o aparelho de som já havia sido desligado. Ele próprio o desligara. Permitiu que a música continuasse, desta vez com a própria voz, baixa e rouca, a melodia doce de rimas fáceis. A garganta estava seca. Levou o copo à boca e o restante da bebida já quase morna aumentou a sensação de sede. Buscou a garrafa sobre a mesa, uísque. Era uísque que bebera do copo agora a pouco? Não se lembrara de ter comprado aquela garrafa. Observou o rótulo, a marca desconhecida trouxe-lhe o presságio da enxaqueca que sentiria pela manhã. Nem no seu aniversário podia tomar uísque de qualidade, trinta e dois anos e lhe traziam uma garrafa de uísque vagabundo.
Ia perguntar, quem era o filho da puta, mas interrompeu o gesto com as mãos quando percebeu que não havia ninguém na sala. O barulho do portão se fechando e o som estridente de uma gargalhada anunciaram a partida dos últimos convidados. Franziu o cenho e em seguida deu de ombros , qual o problema em ficar sozinho quando há bebida na geladeira? Aliás, melhor mesmo estar sozinho, durante toda a festa esteve afundado em si, aprisionado no fluxo incessante de pensamentos tão incontroláveis que mal se dava conta do que ocorria ao redor. Lembrou-se vagamente da amiga, qual era o nome? Márcia. Houve uma época em que não se cansava de admirar os lábios e os seios de Márcia. Nessa ordem, primeiro os lábios, depois os seios, depois os lábios... Lembrou-se de Márcia se aproximando, mas não se lembrava onde ele próprio estava que não pôde sentir a excitação de antes... Fragmentos das frases de Márcia sobre a educação pública do país, sobre a organização partidária que liderava... o que mais? Mas que porre Marcinha! Política? Uma boca assim tão linda poderia ser bem melhor ocupada... Pensara nisso ou realmente havia dito à ela?
Márcia e a política, Geraldo e os conflitos religiosos, deu pra virar budista agora o Geraldão... e o Marcos, qual que era a dele com aquela história ambientalista, os índios no Xingu? Como se ele se importasse. .. Uns hipócritas! Como se nenhum deles soubesse que no final das contas é o dinheiro que manda. Ideologia o caralho! Quis gritar, o caralho, sacam? Em seguida sorriu, sentiu-se superior por ter plena consciência disso, nunca se deixara iludir, chamado de egoísta, sempre revidava, e no final das contas quem não é? Atirem a primeira pedra... como ficava enfurecido com a ingenuidade, pseudo-ingenuidade dos colegas. O copo na mão sentira sua raiva, sem que percebesse, a tensão que tomava seu corpo com esses pensamento trincou o copo fazendo com que caísse e espatifasse sobre o tapete. Abaixou para buscar os cacos, hesitou, voltou a levantar... Não precisava fazer isso naquele momento, amanhã, mais tarde, quando feito fênix ressurgisse das cinzas com uma aguda dor de cabeça e o estômago ulcerado.
Quando se levantava, quase cambaleando, de relance viu no porta-retrato, meio escondido por trás do troféu de Jiu-Jítsu, o retrato da mãe. Estava sorrindo. Por um segundo perguntou-se quem seria aquele broto sorridente que o olhava. Há muito tempo não via fotos da mãe, um rosto rechonchudo, jovem ainda, a foto deveria ser do pós parto, pois o cenário branco evidenciava um quarto de hospital. Ou seria no começo da doença, quando ainda era capaz de sorrir? Por um segundo, enquanto se aprofundava naqueles olhos pretos da mãe, sentiu-se lúcido. Um sentimento sem forma, já desbotado de tão antigo, surgiu do estômago como uma ânsia indesejado. Num reflexo rejeitou-o, dando lugar a uma tristeza de entrega. Não mais a revolta, não mais a ira que vinha sentindo inconscientemente durante tantos anos, desde... desde quando? , e que crescia gradativamente. Essa ira que fazia com que ele buscasse mais e mais o sucesso, a certeza de ser um homem independente, capaz, potente... No lugar, aquela tristeza calma, que por alguns momentos silenciou sua mente e pode sentir cada momento das suas ações. Quando deu um passo em direção a estante para pegar o retrato, sentiu uma lasca grande de vidro perfurar seu pé e em seguida a quentura do sangue que escorria grosso. Sentiu apenas, como se não doesse e permitiu que o grito saísse quase rompendo sua garganta e os próprios tímpanos.
Com o porta retrato na mão caiu ao chão, em meio ao sangue, as lágrimas e um tremor que invadira todo o corpo, encolheu-se em posição fetal, e sentindo um gosto salgado na boca permaneceu chorando, sentindo o conforto das lágrimas, o alívio dos soluços, sentindo todo o corpo sendo perfurado pelos cacos de vidro, feito um incômodo necessário, até abandonar-se na nostalgia da infância fácil e simples, o cheiro do perfume da mãe, parecia tão singelo e podia senti-lo agora, conseguia ouvir a voz da mãe cantando aquelas cantigas infantis, eram tantas e se misturavam com antigas músicas de carnaval, e ainda sentia sua mão quente alisando o pé frio, enquanto o embalava. Permaneceu assim até se esquecer que era quase dia.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011


No meio de um ciclone que fecha as portas com estrondo e escancara as janelas. Há uma porção de restos sobrevoando a casa, e uma tentativa inútil de alcançá-los com as mãos até descobrir que são apenas restos.
Os alicerces vibram ameaçando romper a frágil dependência com o chão. E o chão permanece, inerte, indiferente aos restos que já se perderam no firmamento.
E o chão permanece imutável na sua verdade muda.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Quereres dos anos novos


Por que sou toda cheia de quereres e quando tanto quero, mais quero ainda estar vazia e leve...
Quero o silêncio de paz escondido nos intervalos dos ruídos
Quero o calor dos olhos que se cruzam com verdade e brandura,
as gargalhadas obtidas no diafragma, intermináveis...
Só queria ser cúmplice de toda humanidade, andar nua pelo mundo fazer dele meu quintal,
partilhar todas tantas alegrias, e aquelas tristezas profundas que são paixões transbordadas.
Ah, quero apenas um segundo, um espasmo que caiba todo o infinito, que caiba o big bang e o apocalipse.
De todos os quereres o querer ser, que é um busca desistente, a busca pelo nada, o anti desejo que não se define, limitado pelas palavras tão repletas e ocas.
Fruta fresca, roupa leve colorida, canção de ninar, cheiro de hortelã, sol da manhãzinha, playground de adulto, carícia de irmão, todo mundo irmão, dente de leão ao vento, uma brisa, uma brisa leve que se intensifica e diminui, que vem brincar com o cabelo bagunçado, vem brincar com os corpos bagunçados, levando embora tudo que é pesado, deixando apenas a essência livre do amor...