quinta-feira, 20 de outubro de 2011

Destino



Era uma sexta-feira e a lua estava cheia. Ventava e ela tinha aquela sensação rara de prenúncio como se o coração estivesse exposto para fora do peito e o vento arrepiava-lhe as frágeis veias.
O dia a acordara com um sonho sem imagens, restando, insistentemente, uma sensação de mística que a perseguia até então.
Mais uma sexta feira em que saía para beber e dançar, tentando dessa forma resgatar através do samba e do álcool a quentura no corpo que lhe lembrava o quão viva estava.
Deparou-se logo no começo da noite com um par de olhos azuis acinzentados compostos de uma cabeleira loura e o nome que ele lhe disse, nome de santo, pensou, e em seguida esqueceu-se que nome era.
Enquanto ele falava, suas palavras eram confundidas com o som da sua própria memória, que regressava aos nove anos de idade, num momento nítido e estranhamente semelhante a um sonho, onde seu futuro fora confabulado por uma amiga da família através de suas mãos. A amiga, mulher morena e misteriosa, grande, com trejeitos masculinos, lia a mão da mãe e das outras amigas, pensou que talvez a mulher fosse uma bruxa, e perdeu naquele instante o medo das mesmas, pedindo que ela visse o seu futuro também. A mulher bruxa decretou que seu futuro amoroso seria composto de um gentil cavalheiro loiro de olhos claros.
Depois da adolescência, dos livros, da desilusão e da filosofia, as palavras; romance, príncipe encantado e destino perderam totalmente o valor da infância, no lugar o desprezo e o escárnio.
As palavras e a música desintegraram-se no beijo repentino, e o coração, que ainda exposto e sensível, encontrava-se agora espremido entre os dois corpos, pulsando quente e vivo, trazendo-lhe mais fortemente a certeza de estar viva. Sentiu um breve medo que o coração estourasse ali de tão comprimido, e apartou com as mãos os lábios e os corpos. A voz saiu rouca e mole quando disse:
- Veja a lua!
Os corpos imantados atraíam-se incontrolavelmente, e os olhos azuis perfuravam seus próprios, corrompendo a razão. Em menos de um segundo os corpos se colavam novamente e já não se lembrava que o coração sofria um grave risco.
Entregou-lhe sem hesitar o coração, como se ofertasse à bruxa que acertara seu destino, como forma de agradecimento.
Os corpos encontravam-se intensamente magnetizados, já incapazes de se repelirem, exceto através de uma grande explosão
Ela apreciava o que via, enquanto ele, lascivamente , devorava o seu coração, lambuzando e benzendo com o sangue os sexos entregues à lua, ao destino e à bruxa

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