terça-feira, 26 de julho de 2011

Decote em V- Uma xícara de chá


Quando dei por mim, já estava com um cigarro aceso, algumas palavras nas mãos e um sorriso resignado a me escapolir.
Era aquilo, todo aquele momento, todos os sentidos, abafando a angústia descabida que até então insistira em habitar. Não era bom, por não precisar ser.
Ele saiu pela porta deixando-me um beijo na testa sem dizer adeus. Nunca dizia, estava implícito, sem formalidades. A porta aberta. Seu cheiro impregnado no travesseiro fez com que me lembrasse; éramos gente. Como ele sempre dizia, com a voz embargada, gente de pele sangue ossos...
Permiti que meu corpo se levantasse, ainda com a sensação letárgica do pós coito. Os meus pés pisando nos restos de retalhos espalhados, um inteiriço de seda branca, alfinetes, a calda do vestido branco escorregando pela cadeira. O casamento no próximo dia... Três horas sobre a máquina não me trouxeram cansaço, botões perolados, fios de prata, tão delicados...
Nua ainda, recebi minha primeira cliente, a noiva da véspera. Não havia culpados pelo constrangimento, a porta estava aberta. Sorria radiante para o seu reflexo no espelho, como só as noivas da véspera eram capazes... Invejá-la ia se fosse inclinada às promessas de eternidade, suspirei, o sorriso dela aumentava na mesma proporção que lágrima lhe escorria.
Quando finalmente, a porta fechada, nua ainda, senti nas mãos a sensação quase aflita de perda, lavei-as com sabão, deixando escorrer também as palavras confusas...
O desjejum, uma laranja doce, espremida num copo. O último gole. Tive certeza, era o fim, a laranja me disse. Tanta alegria era o fim. Gargalhei e engasguei com o suco. Nem ao menos se despediu... Nunca precisamos dessas formalidades.

sexta-feira, 22 de julho de 2011

Vou dizer baixinho, para que ninguém ouça o meu grito...


Posso sussurrar em seu ouvido e você pedirá que eu repita, perderia assim toda delicadeza, não sei improvisar. Talvez deva escrever. Minha vontade mesmo era de gritar... Acordaria toda a rua, e não restaria dúvida, estou enlouquecendo. O mais prudente seria que você me olhasse diretamente nos olhos, mas aí, aí toda minha coragem ia se desbotar, como prova meu rosto rubro e voz trêmula gaguejaria – não, não há nada a dizer... - o que corrói é a certeza de não saber o depois. Depois de me dar por entregue à essa sensação persistente, certamente terei a solidão como eterna companheira. Escolho então essa aflição latejante? Posso sentir cada batida do coração como um grão de areia escorrendo pela ampulheta, antes que seja tarde, antes que... Poderia ser só ilusão! Possivelmente, como tantas outras vezes, a carência me empurrando novamente pressa samsara sedutora. Assim, nada terei a perder... Se já sei que nada ganho, nada perco, é só um acúmulo de poeira e rugas, mais uma camada morta na pele calejada. Omito-me... Nego minha covardia, covarde seria se admitisse, se fizesse disso um drama piegas. Mas ainda posso tentar me entregar ao momento e ficar aqui te observando respirar enquanto dorme, deixar que você determine nosso destino, submeto-me então aos seus desejos e caprichos, satisfaço-me com seu gozo e suspiro...

Ele se virou na cama, seu braço pousando na cintura dela.

Só não me diga que não é real! Que não sente sua pele toda capaz de desprender do corpo quando nos tocamos? Você também sente, não? Posso sentir na forma que me toca, quando me diz lindas poesias num simples bom dia!

Sem perceber, ela apertava-lhe o braço, que se desvencilhou bruscamente da sua cintura.

Não posso mais sofrer, por favor, diga que é especial, prometo não falar de planos nem de futuro, diga apenas uma vez que me am...

Ele acordou, sorriu-lhe, com as pontas dos dedos, acariciou-lhe o rosto, com o polegar apertou-lhe suavemente os lábios.

Diga, por favor diga...

- Te vejo amanhã? Deve ser tarde, ainda preciso trabalhar.

Amanhã, te vejo amanhã e todos os dias de nossas vidas! Preferiria que não fosse...

- Ok... Deixe a porta encostada, por favor.

Ele se levantou e se vestiu rapidamente, antes de deixar o quarto, fez menção de voltar... Mas ela já havia se virado, de costas pra ele. Esqueceu-se de encostar a porta... Também se esqueceria de voltar no dia seguinte.

sábado, 9 de julho de 2011

Dentro



Hipnose sob a contemplação da única imagem
O excesso de cores que se mesclam e se confundem
Com a cor branca dos olhos e a esfera preta vislumbra
Vermelhos são os olhos na imagem invertida tão séria e reta
Um reflexo irreconhecível sob a superfície gelada
Do outro lado do espelho a chama não queima
Seduz e engana através do vidro delator
Tão frágil quanto as formas sem tempo
Inexiste sob o efêmero presente
Consente à dinâmica dos traços
Irresistível pseudo liberdade

domingo, 3 de julho de 2011

Monólogo


Você tá vendo? – ela segurava os seios e os apontava em direção a ele. Um par de seios pequenos, duros de bicos vermelhos, com o aspecto mais vivo que os trinta anos correspondentes.
- Você tá vendo? Já apontam pro chão, logo despencarão, murchos e velhos... – virou-se para o espelho, soltou os seios – tudo bem, não precisa dizer, não vou ficar triste por isso.
Ele na cama, imóvel, seguia silenciosamente seus movimentos com os olhos.
Diante do espelho, enquanto ela tirava a calcinha, lentamente, cantava baixnho pra si: Tum, Tum, Tum, que bate aí? Tum, Tum Tum, quem bate aí? Sou eu minha senho...
- Ainda me acha atraente? – virou-se bruscamente para ele, o tom da voz desesperado, quase gritava.
-Tudo bem, desculpa, eu só tava pensando que, depois de tanto tempo... – pegou uma escova na penteadeira e agora falava olhando para o objeto, sua voz era suave novamente – depois de tanto tempo, parece que as coisas mudam de cor, já reparou? As vezes sou criança de novo e vejo minhas bonecas dançando sozinhas sobre a cama, exatamente aí, onde você está... Você lembra onde mamãe guardou as bonecas? Ela sempre diz pra brincar com as mais velhas, mas tem aquela de louça de vestido... qual era a cor do vestido? Não importa, nunca brinquei com ela.
- Mamãe, onde está a boneca que a tia Lucia deu? Deixa eu brincar com ela, só uma vezinha! – gritou em direção a porta, esperou uns segundos, e voltou-se para ele.
- É mesmo, quase me esqueci, mamãe foi velada com o vestido da boneca, lembra? Você não estava lá! Eu não te via ainda naquela época, onde você estava? - ela se aproximou da cama, ajoelhou-se e se arrastou até ele.- Promete nunca me deixar? – acariciava sua barriga – você tem o hábito de fugir às vezes, eu o perdôo, sempre, sempre você sabe! Mas volte, nunca deixe de voltar... – ele agora olhava pra janela aberta.
- Sabe, um dia, vamos morar naquele chalé lá no alto da cidade, só nos dois... ou podemos ficar e esperar os sonhos nos levarem pra qualquer paraíso que... – começou a rir – você sonha alto! – agora gargalhava. Ele se sentou na cama.
- Não, por favor não vá ainda!
Antes de pular da cama pra janela, ele se aproximou dela, ronronou trançando em seu tronco nu e lambeu a patinhas.
- Vá ingrato! Nunca estou sozinha... – voltou-se para o espelho e iniciou a escovar os cabelos, cantava baixinho – Non, jê ne regrette rien...

Você


O vento, o silêncio, a saudade...
A certeza da espera, um suspiro.
Você.
Olhos fechados, uma imagem:
Você.
Nos sonhos cores, um espasmo
Aqui, o frio desperto
O desespero manso
Uma palavra, um sussurro
Grito
Você?
Desaparece quando os olhos se abrem
Quando esfria, o corpo surge,
Você não...
Eu vejo você
vê?