sexta-feira, 25 de setembro de 2009

Inércia

Estava sentada a observar os ponteiros do relógio.
Olhos fixos, como se esperasse de cada movimento uma dinâmica diferente. Sabia ser inútil. Entregava-se a esse jogo sem expressão no rosto, olhos fixos, rosto de pedra.
Sabia que os dias se passavam sem que houvesse alteração no tic-tac do relógio. Sentia a espera, mas já não esperava. Dentro de si um desespero pacífico, contemplativo.
Levantou-se, já não sentia seu corpo, cada movimento mecanizado e inconscientemente calculado. Ainda na inconsciência, fechou os olhos, a imagem dos ponteiros fixa e branca no fundo negro de pálpebras. Permitiu-se com olhos fechados, até que a imagem desgastasse. Não saberia dizer quanto tempo ficou. O cálculo do tempo já lhe era indiferente como todas as outras banalidades.
Os ruídos, cada vez mais contínuos no quarto ao lado, tentavam traze-la de volta ao espaço real. Em vão. O som da máquina de costura já se tornava demasiadamente semelhante ao dos ponteiros. Era incrível sua capacidade de abstrair todo o resto.
Os passos pesados demonstravam firmeza. A seriedade no rosto, normalidade. Andou alguns passos até se deparar com a parede nua, intransponível. Parou, não havia o que fazer. Com movimentos firmes apalpou o sólido firme que lhe barrava o caminho. Numa tentativa de agarrar, cravou as unhas, como se fosse possível remover o obstáculo.
Sentiu o sangue escorrer e pingar sobre seus pés e em pouco fazia-se uma poça.. sentiu os membros derretendo fundindo com o líquido pegajoso. Da parede escorriam as mãos que já perdiam a forma. Ao fundo o som do relógio que não cessava, apesar de cada vez mais longe, tic-tac, tic-tac, tic-tac....

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