terça-feira, 4 de agosto de 2009

Uma Xícara de chá - Cap. II

Saiu correndo dos barulhos de tiro que entraram na cabeça. Uns vinte ou mil passos que não pôde contar tamanha pressa. Parou pra respirar, sentiu dentro dos pulmões um ar que cortava quando entrava, remendava quando saia. Deixou o corpo escorregar no chão sem pressa, como se derretesse indo fundir no asfalto quente.
Esperava. Com os olhos que enxergavam sem ver de fato, um caminho grande desprovido de pessoas. Uma rua larga e seu corpo jogado bem no meio. Sem carros sem gente, apenas o sol de meio-dia insistindo calor.
Esperava...
Contou alguns segundos enquanto se lembrava do barulho de tiros dos quais desconhecia a origem. Tentou ir mais atrás com a memória, buscando o que poderia ter. Mas uma sensação de mancha preta era o que havia antes da memória do som de tiros. Todo resto não era, como vazio mesmo. Apenas sabia que esperava.
Tentou sentir o desespero propício da situação em que se encontrava, sem memória, todo o resto de identidade apagado, era caso de desespero, mas não, não sentiu. No lugar, um conforto estranho da certeza de quem espera mesmo já inconsciente do alvo concreto da espera.
Junto com a memória perdida, a sensação de um peso de planeta que desprendia das costas. O único incômodo, a certeza de que tal estado da mente deveria incomodar. E não.
Quis sair do plano abstrato do pensamento, fugiu para o limite do corpo. Primeiro os olhos que agora viam de fato. O asfalto, todo o concreto em forma de habitações, os postes sustentando os fios, desde quando tantos fios?, também na paisagem, painéis gigantes com imagens de rostos e corpos humanos, e roupas e calçados e acessórios, tudo tão harmônico, parecia tudo feito da mesma matéria, as pessoas e os objetos, feitos de papel grosso enrugado. Foi a impressão que teve. Subindo os olhos, sentiu a ausência de aves e do som das aves, apenas aquele céu estranhamente cor de chumbo com pitadas vermelhas que poderia ser do resto de sol. Feito duas esferas paralisadas, os olhos ficaram grudados na visão do céu, esperando também. Da espera veio a conseqüência, o calor de meio dia transformou-se (...)

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